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Silent Hill f: o Belo Pesadelo que se Perdeu num Cano de Ferro

Quando a Beleza Te Apavora… Até Você Descobrir que Pode Bater
Disponível para:
Playstation 5, Xbox Series S/X, PC
Review escrito por:
Doizelly

Silent Hill f chegou pra mim com uma mistura rara de expectativa e curiosidade. Não porque eu sou fã clássico da franquia desde o PS1, longe disso. Esse foi meu terceiro Silent Hill, depois de The Short Message e do remake do 2. Ou seja: entrei com a mente fresca, mas já sabendo o tipo de trauma emocional e psicológico que essa série gosta de distribuir como brinde. E sendo sincero: poucas séries de terror conseguem ser tão fascinantes no desconforto.

Anunciado como um renascimento, levando a franquia para o Japão rural dos anos 60, com roteiro de Ryukishi07 (Higurashi, Umineko), Silent Hill f tinha tudo para se tornar aquele tipo de pesadelo que você lembra com carinho porque ele destruiu sua sanidade com elegância.

E olha… ele chega muito perto disso. Até decidir que o horror é opcional.

Silent Hill F Hinako

A história inicial de Silent Hill F

A história de Silent Hill f nos apresenta Hinako Shimizu, uma estudante presa em uma vida que machuca mais pelas normas sociais do que pela violência explícita. Filha de um pai abusivo e sufocada por tradições e expectativas, Hinako vive em Ebisugaoka, uma vila aparentemente pacífica, até que o horror decide se revelar. Literalmente.

Após uma última briga com o pai, ela foge de casa em direção aos amigos. O pesadelo começa de forma orgânica e atmosférica: a descida da montanha funciona como um prelúdio de exploração, onde documentos e detalhes do ambiente, como revistas que reforçam estereótipos de gênero, já estabelecem o tema da opressão social. Mas a verdadeira ruptura da realidade acontece abruptamente quando Hinako reencontra seus amigos na loja de conveniência. Durante a conversa, uma névoa misteriosa surge, sua amiga Sakuko é morta, e o Monstro da Névoa a lança em uma fuga desesperada, transformando a vila em um cenário assombrado e tangível.

Silent Hill F Sakuko

E então o mundo se despedaça. A realidade se dissolve em silêncio pesado; flores vermelhas brotam de rachaduras, mofo vivo se espalha como doença antiga, e Ebisugaoka mergulha em um pesadelo orgânico. Aqui, o terror não é feito de ferrugem ou névoa industrial: é vivo, pulsante, úmido, vegetal e maligno.

O objetivo de Hinako é se reagrupar com os amigos, mas a vila já está irremediavelmente corrompida. A exploração passa a ser marcada por tensão crescente, com inimigos constantes e a necessidade de gerenciar sanidade e saúde, e por descoberta de pistas, enquanto Hinako encontra documentos que aprofundam o mistério da infecção de Kudzu e o desaparecimento dos moradores.

Após reencontrar com Shu e enfrentar monstros na loja de doces e derrotá-los, Hinako sofre uma dor de cabeça intensa e desmaia, despertando no Santuário Sombrio. O horror aqui assume um tom ritualístico, mais ligado ao folclore e ao papel dela como “criança abençoada” no conflito das divindades Kyubi e Tsukumogami, do que a qualquer ameaça convencional.

A narrativa de Silent Hill f é propositalmente fragmentada. Ela não se revela na primeira jogada: NG+ e NG++ são essenciais para desbloquear cenas, finais e respostas. Admirável? Com certeza. Paciente? Depende do jogador. Se você gosta de investigar o horror aos poucos, desconstruir significados e caçar contexto, pode ser fascinante. Mas se espera uma história completa já na primeira experiência… prepare-se para sofrer. E não aquele sofrimento “clássico de Silent Hill”: é um sofrimento do tipo “trabalho escolar”.

Maravilhoso, Horrível, e Estranhamente Poético

Se há algo impossível de negar: visualmente, Silent Hill f é uma obra-de-arte do desconforto. Aqui, a filosofia de ‘Beleza no Terror’, cunhada por Ryukishi07, ganha vida através das ilustrações perturbadoras do diretor de arte Kera. Tudo vive e morre ao mesmo tempo. 

Madeira molhada de tempo, tatames apodrecidos, não como simples sujeira, mas como elementos de uma composição estética deliberada. A névoa que respira dá lugar a um Outro Mundo inédito: não mais ferrugem e corrosão, mas uma dimensão ornamental e pristina, com arquitetura antiga e cerejeiras decoradas que escondem o horror.

Silent Hill F outro mundo

Essa atmosfera é temperada por uma trilha sonora que também vive de contrastes. A segurança relativa do mundo principal é pontuada pela trilha nebulosa e original de Akira Yamaoka, enquanto a descida ao inferno particular de Hinako é orquestrada por Kensuke Inage, prometendo uma experiência auditiva distintamente visceral para o Outro Mundo. Os sons abafados, as respirações nervosas e aquele silêncio úmido que só existe quando tem algo horrível atrás de você… e você sabe, são camadas de um design de som meticuloso.

É lindo. Não bonito. Lindo do tipo que te dá enjoo. Uma beleza venenosa. A estética é nova para a série, mas respeita o espírito dela ao ousar: é horrível e fascinante. Poético e doentio. E eu amei isso.

Como é jogar Silent Hill F?

O início do jogo é simplesmente sensacional. Você está indefeso. Sons distorcidos, sombras inquietantes, corpos que se contorcem, flores brotando de bocas e monstros que gritam no silêncio. Você só corre. É a essência pura de Silent Hill: impotência. Vulnerabilidade. Um mundo que parece existir só para te atormentar. Eu estava entregue, sofrendo de prazer.

E então, o jogo me dá um cano de ferro.
E pronto: Silent Hill se transforma num Yakuza com fungo.

É impressionante como o terror evapora no exato segundo em que você percebe que pode simplesmente socar tudo. O combate é fácil demais, e aquele medo psicológico sutil, aquela tensão artística construída com tanto cuidado… vira briga de rua com fungo mutante. Enquanto no Silent Hill 2 Remake eu mal aguentava 30 minutos por sessão porque o jogo me deixava emocionalmente drenado e com medo de lembrar que o corredor da minha casa existe, aqui eu ficava horas jogando sem sentir absolutamente nada. Não é exagero: a sensação de “estou indefeso” foi substituída por “manda mais um bicho aí que eu resolvo”.

E isso dói. Porque dava pra ver o que esse jogo podia ter sido.

Essa mudança não é acidente; é um reflexo do conflito de design que atravessa toda a experiência. O combate, centrado no corpo a corpo e com mecânicas de action-RPG como a esquiva perfeita, recompensa a habilidade e reduz o desespero. A barra de estamina, que controla ataques e esquivas, transforma a vulnerabilidade inicial em uma gestão tática de recursos. Não há armas de fogo, forçando proximidade com o horror, mas a fluidez e o contra-ataque constante destroem a sensação de impotência que define o survival horror clássico.

De repente, o terror psicológico mais intenso desaparece. O perigo iminente dá lugar à paciência estratégica de um souls-like de bairro: esquivar, esperar o timing certo e massacrar o demônio da esquina até ele virar pó. O combate não é ruim, é funcional, até estiloso em seus movimentos lentos e deliberados. Mas mata a alma do que Silent Hill faz de melhor: o desespero.

E aí o jogo se auto-sabota. Ele te lembra, a cada segundo, que você não é mais um sobrevivente, mas um gerente. Seu cano de ferro se desgasta, seu inventário se enche rápido, e você acaba mais preocupado com a durabilidade de canos enferrujados e estamina do que com o medo real. A tensão evapora, substituída por logística. E no meio disso, você se vê parando num santuário não para respirar, mas para girar gacha (os “Omamori”) que concedem buffs, como se estivesse num RPG free-to-play. A imersão se quebra na sua cara.

É aqui que o jogo escorrega de vez. Ele te mostra o inferno, te faz tremer de verdade… e depois te entrega uma planilha de Excel e um cano de ferro. O design tenta criar profundidade via dificuldade mecânica e sistemas sobrepostos, e não pela atmosfera pura, e Silent Hill sempre brilhou no segundo.

Os puzzles refletem perfeitamente essa inconsistência. Alguns são belíssimos, simbólicos e integrados à angústia da protagonista. Outros, porém, parecem ter sido pensados às três da manhã: obscuros, arbitrários e dependentes de conhecimento externo, não de intuição ou imersão.

É uma experiência de duas almas. Uma que honra o legado de vulnerabilidade e horror psicológico da série. Outra, que insiste em empilhar mecânicas de action-RPG que, por mais justificáveis que tentem ser, corroem a essência que o jogo, em seus melhores momentos, consegue evocar com maestria. É uma beleza agonizante, interrompida pela burocracia do terror.

Vale a Pena? Sim. Mas Prepare-se pra Amar e Odiar.

Silent Hill f é uma experiência de contrastes e é exatamente isso que a torna memorável. Ele me fez correr tremendo, suando frio… e logo em seguida me entregou um cano de ferro e disse: “vai lá, campeão”. Silent Hill nunca foi sobre ser campeão. Sempre foi sobre não querer descobrir o que está no escuro e mesmo assim, ser forçado a entrar.

É uma obra linda, corajosa, estranha e imperfeita. Um pesadelo que adorei habitar e que me frustrou quase tanto quanto me encantou. 

Silent Hill f será lembrado por sua beleza que machuca e fascina ao mesmo tempo, pelo desconforto que atravessa o corpo e a mente, e pelo horror perfeito que escorre pelos dedos justamente quando você achava que ia se entregar ao inferno. No fim das contas, amar e odiar esse jogo é exatamente a experiência que ele quer que você tenha e isso, para uma série que sempre desafiou a sanidade, é mais do que suficiente.

O jogo oferece cinco finais distintos, cada qual com variações profundas sobre a natureza do horror, da culpa e da liberdade de Hinako. O primeiro deles, disponível após a primeira jogada, já entrega a revelação sobre sua identidade; os demais são desbloqueados em New Game+ e aprofundam o simbolismo

Silent Hill f: o Belo Pesadelo que se Perdeu num Cano de Ferro

Disponível para:
Playstation 5, Xbox Series S/X, PC
Versão que jogamos:
PC
O jogo possui legendas em Português mas não é dublado.

Pontos Positivos

  • Atmosfera ritualística opressora
  • Beleza perturbadora
  • Direção artística ousada
  • Estética folclórica japonesa marcante
  • Horror orgânico visceral
  • Mundo vivo e mórbido
  • Narrativa fragmentada intrigante
  • Trilha sonora

Pontos Negativos

  • Combate fácil e repetitivo
  • Gestão mecânica excessiva
  • Inventário irritantemente limitado
  • Perda rápida do medo
  • Puzzles inconsistentes
Review escrito por:
Doizelly

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